quinta-feira, 26 de julho de 2012

Candidatos de cidades pobres prevêm campanhas milionárias

DE O GLOBO


O bairro de Malvinas, em Araioses (MA), não tem água encanada nem esgoto, posto de saúde ou escola. Lá, 90% das casas são de taipa e sem energia elétrica. Em cada uma dessas moradias vivem de 5 a 15 pessoas. Na cidade, os candidatos à prefeitura estimaram os gastos de campanha em até R$ 4,3 milhões para disputar os votos de 31 mil eleitores. Araioses é uma das cem cidades com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Nesses municípios, os aspirantes ao cargo de chefe dos Executivos locais planejam gastar R$ 97,2 milhões na disputa.

Juntos, esses rincões de pobreza têm menos de 900 mil cidadãos cadastrados para votar. Na maioria dos casos, dois ou três candidatos concorrem às prefeituras. Mas, com tamanha estimativa de gastos, a projeção de despesa foi às alturas: R$ 110,84 por eleitor, dez vezes mais que a previsão no Rio (R$ 10,64). O valor chama atenção, pois os municípios não contam com programas de TV, normalmente o maior custo na campanha, e a maioria têm eleitorado inferior a 8 mil pessoas.
São José, localidade pobre de Governador Newton Bello, município do Maranhão com um dos piores IDHs do país

Assim como Araioses, Governador Newton Bello e Presidente Juscelino, também no Maranhão, integram a lista de cidades pobres que podem ter campanhas ricas. Os três municípios já tiveram até papel de destaque no comércio estadual, mas hoje são lugares carentes de tudo. A impressão que se tem é que lá o tempo parou.

“É uma cidadezinha pequena e atrasada”, resume a aposentada Joana Silva, ao descrever Araioses, sexto pior IDH do país.

Cidade vive de catar caranguejos

De acordo com o Censo 2010, em Araioses 32% da população vivem mensalmente com uma renda per capita de até R$ 70, e quase metade dos domicílios não contam com abastecimento de água. Sem bons indicadores, o município orgulha-se da boa produção de caranguejos.

A apenas quatro horas de São Luís, Governador Newton Bello parece estar mais distante do que os 298 quilômetros que as separam. A cidade, com o 11º pior IDH do país, homenageia um ex-governador com fama de progressista, embora o município tenha estagnado nos tempos de Raimundo “Chapéu de Couro”, que dava nome à cidade até 1994. Ruas sem asfalto, casas de taipa e teto de palha ajudam a dar um ar de zona rural de tempos antigos. Lá, os candidatos a prefeito estimaram gastar R$ 3,6 milhões. Uma quantia considerável se for levada em conta o universo de eleitores cadastrados: 7.837. Se todos desembolsarem o que planejam, serão R$ 459,35 por eleitor.

“É muito dinheiro!”, espantou-se José Rodrigues, de 71 anos. “Aqui é pobre, pobre mesmo. Dinheiro é mais difícil do que outra coisa. Não tem emprego, não tem nada.”

Em Governador Newton Bello, quatro a cada dez moradores acima dos 15 anos são analfabetos. E em bairros paupérrimos, como São José, a situação não mudou em quatro anos, com ruas de terra e casas sem esgoto.

Em Presidente Juscelino, o 28º pior IDH do Brasil, emprego só na prefeitura. Sem isso, os juscelinenses penam em bairros paupérrimos, onde a rede de água só cobre 41% dos domicílios. Ainda assim, os candidatos à prefeitura estimaram despesas de até R$ 368,64 por eleitor. Por lá, são 8,8 mil os cadastrados para votar, e as estimativas de arrecadação dos aspirantes ao Executivo local somam R$ 3,25 milhões. Valor considerável numa cidade em que o PIB de 2009 – a última medição oficial – foi de R$ 38,4 milhões.

Na cidade de Traipu, a 188 quilômetros de Maceió, os três candidatos a prefeito prometem gastar juntos R$ 2,4 milhões, valor considerável para uma cidade de 15 mil eleitores. Apesar de estar à beira do rio São Francisco, a cidade foi arrasada pela seca, sem contar os casos de corrupção. Em cinco anos, segundo a Polícia Federal, foram desviados R$ 15 milhões dos cofres da cidade. Em Traipu, sete a cada dez pessoas não sabem ler e escrever. Quando as televisões não pegam por falta de sinal, os traipuenses se apinham para assistir a um festival de decisões judiciais que fez a pequena cidade perder três prefeitos em menos de um ano. Eleito em 2008, Marcos Santos (PTB) foi afastado e preso cinco vezes por diferentes operações da PF.

“É loucura. Parece que vivemos em uma cidade cenográfica da Globo. Nenhum autor de novela teve tanta imaginação para escrever sobre uma cidade como Traipu”, diz um morador da 4ª cidade de pior IDH no país, sem querer se identificar, devido ao clima na cidade.

Na cidade de Uruçuí, no sul Piauí, a previsão dos quatro candidatos à prefeitura é gastar quase R$ 6 milhões em busca do voto de 15 mil eleitores. Na cidade, apenas 48,9% das ruas têm pavimentação e metade da população acima de 10 anos vive com R$ 100 por mês. O prefeito de Uruçuí, Valdir Soares da Costa (PT), planeja gastar R$ 1,5 milhão, o mesmo valor previsto para a campanha de Firmino Filho (PSDB) à prefeitura de Teresina, onde há propaganda de TV.

Candidato diz que campanha é cara

Os candidatos que declararam as maiores estimativas de orçamento disseram que trata-se apenas de “uma previsão”. Nelma Pinho (PT) apresentou teto de gastos de R$ 1 milhão, mas afirmou que, “independentemente de Presidente Juscelino ser muito carente”, teve de fazer este planejamento para ter alguma chance contra os concorrentes. Já Rildo Gomes (PRB), que disputa em Governador Newton Bello e estabeleceu o limite de gastos em R$ 2 milhões, disse que a falta de estrutura da cidade colabora para a alta previsão de despesas:

“Há muitos povoados de difícil acesso, e a campanha só pode chegar a esses lugares com veículos que possuem tração nas quatro rodas, cujo aluguel é bastante caro”.

Candidata à reeleição em Araioses, a prefeita Luciana Felix (PSD), conhecida como Luciana Trinta, se recusou a falar por telefone sobre sua previsão de gastos de R$ 1,2 milhão. (Juliana Castro, Oswaldo Viviani, Odilon Rios e Efrém Ribeiro)

Verba de campanhas seria suficiente para 40 creches e sistema de esgoto

Quarenta creches, 50 unidades do Programa Saúde da Família (PSF) e sistema de rede e tratamento de esgoto para levar saneamento básico a 41 mil brasileiros. Esse é um exemplo do pacote de obras que poderia ser realizado com o orçamento de R$ 97,2 milhões apresentado pelas campanhas eleitorais nos cem municípios mais pobres do país.

Segundo o embaixador do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho, o custo médio de implantação de um sistema completo de esgoto é de R$ 1.200 por habitante. Isso significa que o investimento para um município de cerca de 10 mil habitantes garantir a 100% de seus moradores acesso a saneamento é de cerca de R$ 12 milhões. Em Governador Newton Bello (MA), cidade com o 11º pior IDH do país, os quatro candidatos a prefeito apresentaram, juntos, orçamentos de campanha de R$ 3,6 milhões, o suficiente para garantir a 25% dos seus quase 12 mil habitantes condições sanitárias mais adequadas.

“A quase totalidade desses pequenos municípios não tem serviço de coleta de esgoto. O cenário brasileiro é horroroso. Somente metade da população do país tem acesso hoje a esse serviço”, destaca Pinho.

Outra carência recorrente nesses pequenos municípios é o acesso a creches, segundo um dos dirigentes da ONG Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Salomão Barros Ximenes.

"A oferta de vagas em creche é hoje uma das maiores dificuldades. Nesses pequenos municípios, ela é baixíssima, quando não é inexistente”, disse.

Em Uruçuí (PI), a ampliação de vagas de creches é tema de destaque na eleição. Juntos, os candidatos a prefeito estimam para suas campanhas gastos de até R$ 5,9 milhões, o suficiente para construir oito creches. Segundo o Fundo Nacional de Educação, o investimento médio de construção de uma unidade pequena, em torno de 500 metros quadrados, é de R$ 670 mil. Na saúde, com 13% do dinheiro previsto para as campanhas na cidade seria possível dar cobertura total aos 20 mil habitantes no PSF. (Sílvia Amorim, de O Globo)

Fonte: Jornal Pequeno
Edição: Cícero Ferraz

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