Testemunhas dizem que Força Aérea bombardeou partes de Trípoli, enquanto circulam boatos de que líder foi para a Venezuela
Compartilhar: O governo da Líbia prometeu nesta segunda-feira investigar episódios violentos registrados durante protestos da oposição, na tentativa de frear a onda de manifestações que atinge o país desde o dia 16 de fevereiro. A tensão aumentou nesta segunda-feira com a renúncia de autoridades do governo, relatos de novos abusos das forças de segurança e rumores de que o presidente Muamar Kadafi teria embarcado para a Venezuela - informação negada pelo governo de Hugo Chávez.
Benghazi, a segunda maior cidade líbia, está desde domingo sobre o controle dos manifestantes. Os protestos chegaram à capital, Trípoli, onde forças de segurança leais a Kadafi protegem locais estratégicos como a sede da TV estatal e o palácio presidencial.
A emissora de TV árabe Al-Jazeera afirmou que, segundo diversas testemunhas, aviões da Força Aérea líbia bombardearam alguns locais da capital. "O que estamos testemunhando hoje é inimaginável. Aviões de guerra e helicópteros estão bombardeando indiscriminadamente uma área depois da outra. Há muitos, muitos mortos", disse um morador ouvido pela Al-Jazeera.
O espaço aéreo da capital Trípoli foi fechado até nova ordem, na noite desta segunda-feir até segunda. A informação foi confimada por um porta-voz do Exército austríaco, que tentava enviar cidadãos europeus para Malta, a bordo de um avião militar.
Mais cedo, dois jatos da Força Aérea da Líbia pousaram em Malta. Segundo a Reuters, os pilotos disseram à autoridades do país que tinham sido ordenados a bombardear manifestantes. Eles teriam se recusado a realizar a tarefa e um deles teria pedido asilo político.
Também há relatos de que militares estariam atirando contra manifestantes em Trípoli. A imprensa internacional tem dificuldade de confirmar as informações dadas por testemunhas por causa de um bloqueio imposto pelo governo líbio: jornalistas do exterior não podem entrar no país e o acesso à internet foi quase totalmente derrubado.
Em Trípoli, escolas, prédios do governo e lojas estão fechadas. Pela manhã, era possível ver fumaça em pelo menos dois locais da capital, onde estão localizadas uma delegacia de polícia e uma base das forças de segurança. Os prédios teriam sido incendiados por manifestantes no domingo, durante choques com forças de segurança e partidário de Kadafi próximo à Praça Verde, no centro da cidade.
Em um sinal de ruptura com o governo, a delegação da Líbia na ONU acusou Kadafi de genocídio e fez um apelo por sua renúncia. Diversas autoridades - inclusive o ministro da Justiça, Mustafá Abdel Yalil, e diplomatas em diferentes países - renunciaram em protesto contra o uso excessivo de força na repressão das manifestações. De acordo com a organização americana Human Rights Watch, os protestos na Líbia deixaram pelo menos 233 mortos desde 17 de fevereiro.
O clérigo muçulmano Yusuf al-Qaradawi, que nasceu no Egito mas vive no Catar, pediu nesta segunda-feira a morte de Kadafi. "Qualquer pessoa no Exército líbio que puder atirar em Kadhafi deve fazê-lo", disse Qaradawi, 85 anos. Ele apresenta um programa popular na Al-Jazeera e possui ligações com a Irmandade Muçulmana, principal grupo de oposição do Egito.
Após a renúncia das autoridades, o filho de Kadafi, Saif el-Islam Kadafi, anunciou a criação de uma comissão para investigar episódios violentos durante os protestos. A comissão será dirigida por um juiz, e incluirá membros de organizações de direitos humanas líbias e estrangeiras.
Venezuela
Enquanto a tensão aumenta, circulam boatos de que Kadafi teria viajado para a Venezuela para escapar dos protestos. Uma autoridade do governo do presidente Hugo Chávez, porém, negou a informação, que tinha sido comentada inclusive pelo ministro das Relações Exteriores britânico.
"Vocês me perguntaram mais cedo se o coronel Kadafi estaria na Venezuela", afirmou Hague a repórteres, em meio a reunião de chanceleres europeus em Bruxelas. "Eu não tenho nenhuma informação que diga isso, mas vi algumas informações que sugerem que ele está a caminho de lá neste momento."
Líderes muçulmanos
Também nesta segunda-feira, uma coalizão de líderes muçulmanos líbios emitiu uma declaração dizendo que é obrigação de todo muçulmano se rebelar contra o governo líbio.
"Eles demonstraram total impunidade e até mesmo intensificaram seus crimes sangrentos contra a humanidade. Portanto, eles demonstraram total infidelidade à orientação de Deus e Seu amado Profeta (que a paz esteja com ele)", disse o grupo, chamado de Rede dos Ulemas (sábios religiosos) Livres da Líbia. "Isto os torna não merecedores de nenhum apoio ou obediência e faz com que a rebelião contra eles por todos os meios possíveis seja uma obrigação de origem divina", diz o texto.
Início dos protestos
Os protestos na Líbia foram desencadeados pela prisão de Fathi Terbil, advogado e notório crítico de Kadafi preso na semana passada em Benghazi. Terbil representa as famílias de vítimas do suposto massacre realizado por forças de segurança no presídio de Abu Slim, em Trípoli, em 1996.
Mais de mil prisioneiros foram mortos na ação de forças de segurança, em circunstâncias que ainda não foram esclarecidas. O presídio abriga opositores do governo e militantes islâmicos.
Uma multidão que contava com parentes dos presos mortos na ação marchou até a sede do governo local para exigir que Terbil fosse solto. Mesmo após a libertação do ativista, os manifestantes seguiram para a praça Shajara, no que se tranformou em protesto contra o governo.
Manifestações pró-democracia vêm se espalhando por diversos países árabes. Eles tiveram início na Tunísia em dezembro passado e provocaram a deposição do então presidente do país, Zine al-Abidine Ben Ali, no final de janeiro. Em fevereiro, uma série de manifestações provocou a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak.
Nos últimos dias, também ocorreram protestos em países como Bahrein, Argélia, Iêmen, Marrocos e Jordânia.
Fonte: IG
Edição: Cicero Ferraz