quarta-feira, 6 de julho de 2011

Polícia Federal investigará caso de racismo na UFMA


São Luis - O caso de racismo envolvendo o estudante nigeriano Nuhu Ayuba e o professor José Cloves Saraiva, do Curso de Matemática da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) será investigado pela Polícia Federal. O pedido para a abertura de inquérito foi feito na tarde de ontem pelo Ministério Público Federal do Maranhão (MPF/MA) que inicialmente foi procurado pelo estudante e depois pela UFMA.

Nuhu Ayuba, 21 anos, cursa o primeiro período de Engenharia Química e afirma que as provocações começaram após as duas primeiras semanas de aula, ao ser visto em companhia de uma colega de cor branca. “Ele falou claramente que se me casasse com uma mulher branca poderia clarear a cor do meu filho”, relata. Depois desse dia, o professor teria passado a fazer outros comentários ofensivos, inclusive, em sala de aula.

Até o nome do estudante teria sido usado como motivo de provocação. Nuhu destaca que por duas vezes o professor teria chamado a atenção para a pronúncia da palavra, com entonação obscena. A primeira ocorreu nos corredores da universidade na presença de um amigo de Saraiva e, a segunda, na sala de aula. O acadêmico diz que na classe o professor viu a reação dos alunos e pediu desculpas.

O estudante afirma que chegou a pensar que a relação com o professor pudesse melhorar depois de um tempo. Contudo, a exposição só piorou com comentários, em voz alta, sobre o desempenho dele nas provas com afirmações do tipo “tirou uma nota péssima”, “aqui somos civilizados”, “você não lê os livros antes de responder as coisas” e até corrigindo uma prova apenas como “está tudo errado”.

A decisão de procurar providências junto à reitoria e ao MPF ocorreu depois da segunda avaliação. O aluno afirma que enquanto respondia a prova, o professor ficava insistindo em incomodá-lo. “Eu estava zangado sim e ele estava tentando agravar a situação. Falou que éramos de mundos diferentes e outras coisas”, relembra. Depois disso, o estudante procurou um advogado e o Coletivo de Entidades Negras (CEN) para tomar providências em relação à atitude do professor.

Foi entregue à reitoria da UFMA um abaixo-assinado com a assinatura de 21 estudantes da disciplina pedindo a instauração de procedimento administrativo e afastamento imediato do professor. No MPF, foi solicitado o acompanhamento do procedimento na UFMA e também o pedido para análise da PF sobre o crime de racismo. O advogado de Nuhu também avisou que entrará com uma ação na Justiça Federal contra danos morais.

Enquanto o problema não tem um desfecho, o estudante nigeriano se dedica às outras disciplinas. Ele deixou de freqüentar as aulas de Cálculo Vetorial, única matéria onde tirou notas muito baixas como “4” e “0,5”. O estudante mostrou à nossa reportagem o resultado de outras provas como Cálculo I, onde conseguiu “8,5”. Ele disse que depois do comunicado à reitoria, o professor lhe pediu desculpas, mas não acredita que sejam sinceras. “Ele está tentando se sair porque já sabe que não tem como ganhar”, opinou.

A colega de classe, Marenilde Oliveira, 21 anos, afirma que as “brincadeiras” do professor sempre tiveram um caráter de denegrir a imagem das pessoas como uma forma de afirmar a autoridade dele em sala de aula. Contudo, depois das primeiras semanas de aula, o estudante nigeriano se tornou a única vítima das críticas. “Eram sempre comentários envolvendo questão de cor, cultura e nacionalidade, como se o Ayuba fosse o bobo da corte dele”, relatou.

Professor alega má interpretação

Em conversa com O IMPARCIAL, o professor Cloves Saraiva se defendeu das acusações do estudante. Ele afirma que foi mal interpretado e que costuma fazer brincadeiras com vários estudantes. José Cloves Saraiva, 57 anos, trabalha há 33 anos na UFMA e afirma que nunca teve problemas dessa natureza. “Matemática é árdua e, às vezes, a gente fala alguma besteira. Eu fui mal interpretado”, declarou.

Sobre os comentários a respeito das notas de Nuhu, o professor garantiu que realiza o procedimento com todos os alunos como forma de dar transparência às notas e esclarecer quais foram os erros. “A nota é o momento mais sagrado. Não tem sentido ridicularizar um estudante. Eu sei da dificuldade das pessoas de outros cursos com a disciplina”, observou. Ele afirma que além de exercícios e pré-testes, costuma presentear com livros da área os alunos que tiram boas notas.

José Saraiva disse que chegou a elogiar o país do estudante destacando que diferente do Brasil, a Nigéria conquistou um Prêmio Nobel com o escritor Wole Soyinka. “Falei que tinham convidado esse escritor para definir o que era negritude e ele respondeu que um tigre não define a sua tigretude. Acho que ele entendeu errado”, comentou. O professor destacou que tem consciência do combate ao racismo e que faz parte de grupos que pregam a igualdade como o Rotary Club e Maçonaria.

A respeito de associações pejorativas com o nome de Nuhu, José Saraiva informou que pediu ao jovem que esclarecesse o nome porque o tinha pronunciado de forma errada. “Não quis denegrir a imagem dele pela cacofonia que o nome apresenta, foram os próprios colegas que começaram a rir”, destacou. O professor afirma que apenas observou que o nome era complicado e perguntou o significado.

José estava na tarde de ontem na UFMA acompanhado de um ex-aluno, o tecnólogo Edgar Ribeiro, 45 anos, que teve aulas com ele em 2008. Edgar reafirmou que o ex-professor possa ter sido mal compreendido pelos estudantes da classe atual. “Ele é um professor que costuma estar sempre no pátio conversando com os alunos. Acho que pode ter havido alguma confusão com uma brincadeira dele”, disse.

PALAVRA DO DCE

O Diretório Central dos Estudantes “17 de Setembro” da Universidade Federal do Maranhão, entidade de representação máxima dos estudantes desta instituição, por meio da assessoria de comunicação, vem a público repudiar os atos de racismo praticados pelo professor do curso de Engenharia Química, José Claves Verde Saraiva, que ministra a disciplina de Cálculo Vetorial, contra o estudante africano Nuhu Ayuba.

É lamentável a postura tomada por um docente, em uma instituição de superior de grande relevância à comunidade estudantil maranhense. O ato racista, conforme relato do estudante, configuram agressões verbais, gerando abalo psicológico e transtornos sociais, caracterizando assim danos morais.

Nós, membros do DCE, Diretório Central dos Estudantes da Gestão “Da unidade vai nascer à novidade”, viemos a público declarar que nos causou profunda indignação o tratamento dado pelo professor ao universitário por ser negro e africano. Não é difícil visualizar a cena de constrangimento causado pela agressão. Essa situação revela um comportamento racista, discriminatório, ofensivo e injusto, as quais só servem para manter práticas opressoras, que são totalmente inconcebíveis em um ambiente acadêmico plural e universal.

Solicitamos junto à Administração Superior de nossa Universidade a apuração do caso, afastamento imediato do professor e depois de constatados os fatos, demissão do Docente.

POSIÇÃO DA UFMA

A reportagem conversou com a chefe do Departamento de Matemática, professora Lucimar Góes de Souza. Ela explicou que as denúncias não chegaram a ser protocoladas no setor e seguiram direto para a reitoria, por isso, nenhuma ação foi tomada pelo Departamento.

No site oficial da UFMA, o reitor Natalino Salgado informou que já foi aberto um processo administrativo contra o professor e que o caso foi encaminhado para o MPF. Ele lamentou a ocorrência dos fatos em uma instituição pedagógica e destacou grandes conquistas da UFMA no processo de inclusão social nos últimos anos.
 
Fonte: O Imparcial
Edição: Cícero Ferraz

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